sábado, 6 de março de 2010

Conflitos

Eram 00:06.

O Relógio insistia em ficar martelando o tic-tac, preenchendo o vazio do quarto com o estrondo de um super-vulcão explodindo durante um terremoto de 15 graus. Tic-Tac.

Se esse relógio parasse o quarto ficaria vazio. Não havia luz. Por anos uma fresta na janela tomava o quarto com luz. Não haviam móveis. Não conseguia tocá-los, então, simplesmente, não existiam. Não havia nem mesmo "eu" ali. Os problemas e pontos de vista eram tão insolúveis que não havia como homogeinizar a torrente de idéias e imagens em uma única pessoa.

Eu era uma multidão. E quanto mais me preocupava com as coisas que os outros pensavam, mais mundos eu absorvia para dentro de mim. Cada novo ponto de vista não me fazia refletir, adaptar e melhorar. Muito pelo contrário, cada nova idéia que entrava em minha cabeça escolhia um canto do meu cérebro para hastear sua bandeira, construir sua moradia e defender seu estilo de vida.

Eu era muitos coletivos. As idéias não paravam de se unir, desunir, rebelar, tratar acordos, gerar documentos, alterar a cada 5 minutos a perspectiva que eu tinha da vida ao meu redor. Em determinado momento, pensar que "penso, logo existo" era uma coisa confortadora e natural. Meia hora depois, a metafisica da realidade individual compartilhada destruia, tijolo por tijolo, o muro que as rodeava e unia para gerar o caos da anarquia novamente dentro de mim.

Eu era infinito. O universo cabia em mim. Não havia perda, não havia falha. Como em um livro onde o mundo é organizado, como a idéia que todos têm do Japão, como pais modelo de educação, determinação e empenho, tudo não passava de uma grande mentira. Nada era, realmente, quantificado. A fronteira sempre está daqui a 20 Kilometros do último posto de gasolina, que nunca chega. O princípio é sempre o mesmo... Toda vez que uma idéia nova (veja bem, não trata-se de uma idéia boa, trata-se de uma idéia nova!) chegava no "hotel meia-estrela cérebro do Arthur", eu fazia todas as idéias pularem para o próximo quarto. Como são infinitos quartos, sempre havia mais um. Então, a última idéia sempre pega o primeiro quarto, a penúltima vai pro segundo quarto, a antepenúltima vai para o terceiro quarto. E todos se acomodam até que a minha primeira idéia se ajuste no quarto infinito. Assim, sempre tem lugar para mais um.

Eu era onisciente. Na escuridão do quarto barulhento eu sabia de tudo. Tinha infinitas idéias brigando dentro de mim, querendo, cada uma, controlar o meu corpo. Mas sabia, exatamente, como se sentia cada idéia. Cada idéia que me deram. Cada idéia que eu comprei. Cada idéia que me forçaram. Cada idéia que eu roubei. Todas tinham seu próprio sentimento. E eu conhecia o âmago de cada uma. Eu sabia, com exatidão de milímetros, o que aconteceria com cada idéia na minha cabeça. Tudo era tão lógico. Tudo era tão prático. Mas, com o tempo, tudo também ficou tão chato. Quase como ver TV a Cabo. Nos primeiros 6 meses é uma overdose de programação nova. Divertida, surpreendente, fascinante. Depois disso, tudo se repete. As coisas não possuem mais graça. Minhas idéias envelheciam com rítimo assolador. Virou um vício procurar idéias novas. Como galos de rinha, como um bom livro novo na mão. Ao encontrar uma idéia nova, jogava-a alucinadamente para o primeiro quarto. Nem esperava ela se acomodar, eu já queria saber o que ia acontecer quando ela entrasse em contato com as demais. E, tão rapidamente quanto eu atirava a idéia nova às outras, eu já sabia tudo o que iria acontecer. E a busca por uma nova idéia começava. Isso me consumiu. Isso se tornou... Chato! Um pesadelo!

Passei, então, a tentar manipular as idéias. Jurei que poderia tecer uma trama, entrelaçar todas as idéias em um único e lindo tecido. Um Veludo Azul-Claro. Claro que não deu certo. Como algo fragmentado conseguiria ser oposição a milhões de unidades? Sempre há uma idéia para opor a outra. E nenhuma me reconhece como o Juiz. Não há como estabelecer uma paz se, a todo momento, até o que julgo ser "eu" entra em bate-boca com... idéias. Cada idéia tentando ter mais razão que o infinito das outras ideias e, até mesmo, que "eu".

Essa guerra mundial não me deixa dormir. Essa guerra nas estrelas não me deixa raciocinar ou viver plenamente quem eu sou. Muita mudança para uma única pessoa. Muitas pessoas dentro de uma única pessoa. Tem tudo pra não dar certo.

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