Conselho de Engenharia do Rio Grande do Sul.
Tá. O que houve em Santa Maria foi horrível, uma tragédia, uma catástrofe. Ok.
A morte de tantas pessoas, centenas de outros feridos fisicamente (alguns ainda não livres de morrer), milhares de feridos emocionalmente e psicologicamente por conhecerem diretamente as vítimas e todo um Estado, País e até o mundo abalados.
Mas...
Eu não consigo deixar de pensar nesse caso e achar que tem alguma coisa errada aí. Não, não estou falando diretamente da catástrofe em si. Estou falando de antes. Um passo atrás.
Mesmo porque é evidente que, para que haja uma tragédia, algo tenha que ter saído da normalidade.
Mas, primeiramente, eu não coloco essa tragédia no mesmo nível de outras pelas quais a humanidade já passou.
Não podemos prever terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, avalanches, inundações, deslisamentos, secas, furacões, incêndios florestais, etc... Com precisão e antecedência necessárias para salvar a todos. As mortes causadas por esses eventos sim, são trágicas e catastróficas.
Agora, "zé-povinho" vem me dizer que um incêndio em um prédio acontece, morre um punhado de pessoas e ISSO é uma tragédia?
Não, amigo, isso EU não chamo de "tragédia". Chamo de "consequência do descaso", mesmo.
Sim, descaso.
Constantemente incêndios acontecem. Em 2004, mesmo, aqui do lado, na nossa vizinha Argentina, quase duzentas pessoas morreram em um incêndio em uma casa noturna. Porra, nem dez anos atrás. E acho que todos lembram do incêndio no edifício Joelma, em São Paulo, lá pelos idos dos anos 60, né? Tá, talvez só os mais velhos se lembrem. Os mais novos procurem vídeos e a história. As cenas fortes de pessoas SE JOGANDO do alto do edifício, encarando a morte rápida e certa da queda para se livrar da morte lenta pelas chamas.
Todos nós sabemos que o fogo acontece. E que as nossas construções são verdadeiras armadilhas em caso de incêndio. Recheamos nossos interiores com a maior diversidade de materiais combustíveis que podemos. Madeiras, plásticos, espumas, borrachas, álcool, etc...
Tanto sabemos que o fogo é algo com o que se preocupar, que toda cidade que se preze mantém um corpo de bombeiros. Equipados até os dentes com materiais caros. Profissionais prontos para arriscar a própria vida para salvar a de outros.
Amigos, com fogo não se brinca. E, quando falo de "fogo", não me refiro só a chama. Saber prevenir e combater o fogo é tarefa básica e essencial para cada pessoa. Ou você nunca pensou porque as crianças fazem treinamento de evacuação para incêndios, em colégios no mundo todo (só no Brasil que não)?
Mas aí começa o primeiro problema de descaso. Vou cravar aqui. No alto da ignorância que só a generalização pode oferecer, vou afirmar que 90~98% da população brasileira não tem preparo algum para lidar com fogo e incêndios. Ninguém sabe o que fazer. Desesperam-se, correm a esmo, pisoteiam-se uns aos outros e o "salve-se quem puder" impera.
Mas, além de ignorante, farei questão de ser mau, também. Perverso. Vou dizer que o problema do descaso consigo próprio, em não saber como proceder em caso de incêndio (ou qualquer outra eventualidade) não é o pior de todos. Esse descaso é o que podemos olhar e dizer: "problema é seu, se não sabes utilizar um extintor de incêndio". O pior descaso é o do "não é problema meu".
Vamos ver se eu consigo exemplificar a hipocrisia que parece que só eu estou vendo:
Você passa o ano inteiro indo à casas noturnas. Ou supermercado. Ou shopping. Ou o seu trabalho. Ou o seu próprio prédio ou casa. E não se preocupa por nem um instante em saber as normas de segurança que um lugar desses deve ter. Ler a lei. Se informar, sabe?
Logo, como está mais preocupado em "fazer festa", "tirar onda", "fazer as compras e ir logo pra casa", "que chegue logo a sexta" ou, simplesmente, "descansar em casa", não sabe sequer que VOCÊ é uma pessoa que DEVE fiscalizar TUDO O TEMPO INTEIRO. Quanto mais saber o que deve ou não fiscalizar nos lugares por onde anda e frequenta.
Ou, pior ainda, quando você SABE O QUE FISCALIZAR e NÃO FISCALIZA! Tu sabes que o carro não pode furar o sinal vermelho. Mas você fura! Você sabe que o carro não pode estacionar em calçadas, mas você estaciona! Você sabe que os celulares não podem funcionar mal, mas não reclama quando a sua ligação cai! Você sabe de todas as leis do consumidor, mas aceita levar o prejuízo "para não se incomodar". Você sabe que não devemos sujar as ruas, mas joga lixo no chão.
E - o mais típico do "brasileiro-idiota-padrão" - acha que porque tem um órgão fiscalizador específico para algo não é mais dever seu ajudar a fiscalizar. "Os bombeiros são responsáveis em fiscalizar as normas de segurança contra incêndios, a culpa do incêndio na Boate Kiss é deles." Mas os IMBECIS que frequentavam o lugar NUNCA notaram que haviam poucos extintores de incêndio? NUNCA NINGUÉM se perguntou o que aconteceria em uma evacuação, ao passarem mais de mil pessoas por aquela escadinha apertada?
"Há, mas os Bombeiros são os especialistas!" Amigo, estamos na era da informação. Qualquer mentecapto com acesso a internet pode ler a respeito de prevenções de incêndio, em vez de perder horas com facebook ou twitter.
Poxa, o CORINGA (sim, o vilão do Batman, nos gibis) ME ENSINOU: "nunca entre em um lugar que você não saiba como sair".
E eu não vou nem me dignificar a adjetivar os brasileiros que motivam toda essa necessidade de fiscalização. Na minha humilde opinião, quem precisa de "fiscalização" é simplesmente desprovido de capacidades cognitivas e deveria ser tratado como o doente mental que é. O maldito improviso do "jeitinho brasileiro" cria esses monstros a toda hora. Gente que vende carne de coelho como se fosse a mais fina lebre.
No caso da Boate Kiss:
1 - Empresários pilantras que utilizaram o material mais barato possível para isolar acusticamente o local. Aliás, não fosse a lei que deveria ser isolado acusticamente, capaz de nem ter nada, ali.
2 - Fiscalização obrigatório corrupta, que - APOSTO - sequer sabe qual é o material utilizado na Kiss para isolar acusticamente.
3 - A julgar pela planta do local, APOSTO que a fiscalização obrigatória "levou um" para fazer vista grossa para, por exemplo, aquela minúscula escada.
4 - Pessoas - estúpidas demais em se tratando de UNIVERSITÁRIOS - que não só não denunciaram o local antes, como PAGARAM PARA MORRER naquela noite.
5 - Os "Corajosos estúpidos" que ajudaram no resgate e estão feridos ou mortos, agora. Tipo de pessoa citado e abominado por Napoleão.
6 - Cada um de nós que jamais fiscalizou nada na vida mas, agora, está revoltado, querendo que "alguma autoridade tome providências".
Todo esse cenário só me faz cravar mais uma generalização: TODO brasileiro é hipócrita. Tá, eu sei que, dos cerca de duzentos milhões de "Gerson's Tupiniquins", podemos salvar umas mil pessoas que não querem "se dar bem" acima de tudo. Pessoas que não se calam. Que não militam só em causa própria e gritam a cada injustiça que encontram. Tem uns mil que se esforçam todos os dias para fazer a vida de todos melhor. Mas eu prefiro que eles se sintam ofendidos pela minha generalização e que eu tenha que escrever um texto para cada um deles e publicar aqui, em retratação.
E porque eu digo que TODO brasileiro é hipócrita? Justamente porque, agora, depois que quase duzentos e cinquenta jovens morreram sufocados (tal qual em uma câmara de gás nazista), todos estão ávidos por fiscalizações, leis, averiguações, culpados e punições. Casas noturnas sendo cobradas à exaustão, passeatas com gente vestida de branco, eventos remarcados e até programas de humor cancelados... Mas tudo isso só por algum tempo. Hoje - quatro dias depois do incêndio - tudo é ainda muito recente. Mas eu vou citar esse texto na retrospectiva de 2013 e - APOSTO - poucos lembrarão dos detalhes. Muitos sequer lembrarão do caso.
Nenhum de nós mudará seu comportamento. Todos continuaremos sem fiscalizar porra nenhuma na rua, no bairro, na cidade ou no país. Continuaremos a jogar lixo nas ruas, a sermos macacos motorizados nas estradas, verdadeiros trogloditas no comércio, venderemos nossas almas a troco de migalhas em nossos trabalhos e a vida continuará igual.
Mas isso é a "cultura brasileira", né? A mesma cultura estúpida e atrasada que, ao invés de fazer alguma coisa de verdade, está entupindo redes sociais e os nossos ouvidos com "Deus" pra cá e pra lá, por causa dessa tragédia. Como se esse amigo imaginário (que sequer consegue se alçar do status de "fantasia" para o de "delírio coletivo") fosse resolver qualquer coisa...
A verdade nua e crua sobre esse evento é que ele só está gerando comoção porque o número de vítimas foi elevado. Deveríamos utilizar esse sinistro como exemplo, para aprendermos com as falhas e prevenirmos futuros acidentes similares. Mas, na verdade, só estamos prestando a atenção porque gerou comoção nacional. E é só porque isso "vende jornal" que estamos vendo incessantemente o caso nas mídias.
Você acredita que, logo no domingo, houve gente que baixou os primeiros vídeos do incêndio e postaram em seus canais do youtube, só para GANHAREM ACESSOS?
No dia seguinte um incêndio tomou mais de cem casebres em Porto Alegre, com dois feridos. Ali, do lado da Arena do Grêmio. Ninguém liga e ninguém mais fala nada, porque não houveram duzentos e cinquenta mortos...
Se tivessem morrido só dez jovens na Boate Kiss, esse incêndio teria sido uma nota de rodapé no Fantástico e, hoje, NINGUÉM MAIS estivesse falando a respeito.
É esse tipo de hipocrisia que me revolta. Esse tipo de coisa que me faz perder o tesão de escrever. Porque eu vou publicar isso aqui e logo virão IDIOTAS comentar que EU sou insensível, que eu estou errado, que "não é bem assim" e que "Deus" sabe o que faz...
É, talvez "Deus" - esse ser inexistente - saiba o que faz, mesmo. Fica tomando o tempo e o raciocínio das pessoas, desviando a atenção de todos para as coisas realmente importantes na vida. Como ser uma pessoa correta o tempo inteiro e fiscalizar os demais que não são corretos.
Porque, sim, tudo o que acontece "é problema" e "é responsabilidade" minha, sua e de todos.
Mas, como falou muito bem meu amigo Rafael: "No Brasil todos são inocentes até que se prove o contrário, enquanto acharem uma brecha na lei ou tiverem dinheiro para criar uma..."
Por isso você não entende que é culpado por cada coisa errada que acontece. Se você pode fazer alguma coisa para evitar um erro e não o faz, é mais culpado do que a pessoa que erra.