Em todos os dias nos últimos 15 anos ele tomava seu café da manhã no mesmo local.
Há mais de quinze anos ele chegava, pedia café com leite, pão, manteiga e bolachinhas.
Nessa segunda-feira em particular o dono pediu a garçonete que falasse pela primeira vez algo mais do que os tradicionais "bom dia!", "como vai", "será que chove?". Ele nunca conversara muito mesmo. Aliás, ninguém sabia de nada de sua vida... Onde morava, se tinha família, no que trabalhava...
Estava sempre com as mesmas vestes... Camisas sociais impecáveis, calças com friso reto, tradicional, um sobretudo o acompanhava nos tempos frios, talvez um cachecol, nos dias quentes, camisas de manga curta.
Nunca levara pastas ou chegara de carro. Sequer taxi ou uma bicilceta. Nenhuma companhia nunca. Variava as mesas onde sentava. Mas sempre procurava um local claro, para poder ler o jornal.
Quando lia, todos notavam que a seção de cultura e atualidades lhe chamava atanção, mas sempre lia o jornal inteiro, com a maior atenção.
Então? Devia morar perto, sozinho... Possuia algo mas não muito... Será que era isso?
Não havia mais tempo para grandes pensamentos. Ele estava lá, de pé a frente do balcão fazendo o pedido mais tradicional de todos - todos deixavam quase tudo pronto antes dele chegar mesmo...
Sentou-se à mesa, abriu seu jornal e esperou por ser servido.
Não se sabe bem o que aconteceu naquele dia, naquela hora... O lugar que sempre atendia 4, 5 cafés da manhã e o resto vinha somente comprar algo para levar para casa... Mas, naquele dia, naquela hora que tudo era crucial... O lugar encheu... Todas as 10 mesas e o balcão se tornaram pouco para uma torrente de pessoas que decidiu tomar café ali mesmo...
Acontecia às vezes, mas sempre era o mesmo... Bagunça, agitação e, ao invés da conversa acontecer, quando a garçonete olhou, as notas tradicionais já estavam acima da conta. Ele tinha ido.
Bem... Se já era difícil explicar que o lugar fecharia dentro de uma semana com ele sentado ali, como fazer pra falar agora? Esperar até amanhã?
Ela chegou à mesa e notou o sobretudo jogado ao chão.
Olhou pela vidraça e viu ele atravessando a rua.
Pegou o casaco e correu atras dele.
Um, dois quarteirões... Ele se dirigia para longe das ruas movimentadas e o medo e a insegurança dominavam ela. "Por certo ele vai me tirar por louca" - pensava.
Na frente de uma casa enorme ela alcançou ele. Ele acabara de notar que estava sem o sobretudo e batia em seus bolsos, como que procurado uma chave. Ela colocou a mão em um bolso e tirou um molho. Alcançou a ele.
- Você mora aqui?
- Sim.
- Porque vai tomar café em uma padaria humilde todos os dias?
Entrou sem responder. Agradeceu a presteza em devolver o sobretudo.
Entrou e pensou. Pensou muito.
E ele jamais foi a algum lugar "humilde" novamente.
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