segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Birdman - ou A Inesperada Virtude da Ignorância

Então ontem eu fui assistir ao Birdman.


Meus comentários no Twitter assim que o filme acabou:


Alguns que falaram a respeito do filme o acharam cansativo, acusaram que o filme dava sono e que demora para entender o que está acontecendo.

Do meu lado, achei um filme singelo. O filme utiliza demais a técnica do plano-sequência. O filme inteiro deve ter sido feito em mais ou menos uma dúzia de tomadas, no máximo.


O filme não tem um narrador para te explicar a trama e os planos-sequência não te dão tempo para respirar. Toda frase falada explica algo sobre o filme e você é obrigado a montar o quebra-cabeça sozinho. Só que, assim como O Clube da Luta, você só nota que é um quebra-cabeça depois de algum tempo de filme.

Se não foi assistir ao filme, ainda, tome um café e esteja atento desde o início do filme. Todos os personagens são importantes, todas as falas são importantes.

Sim, é um filme muito bem editado e toca em diversos pontos filosóficos da atualidade.

Talvez por isso tudo seja um filme que não caiu (e nem cairá) no gosto do brasileiro típico.

Mas é um filme que merece ser assistido. Um filme para se ter em casa, se debruçar sobre ele e esmiuçar cada detalhe. Porque deve haver muito mais coisa escondida do que nossos olhos conseguem ver na primeira vez.


A partir daqui eu vou dar spoilers sobre o filme.


Birdman é um filme sobre loucura. Sobre desespero. Sobre como a alma humana guarda e cai nos problemas que cria para o próprio dia-a-dia.

Riggam Thomson é o personagem principal. Um ator que, quando jovem, interpretou um super-herói em filmes (o Birdman...). Esse papel marcou sua carreira de tal modo que todos o conhecem só por causa do Birdman. E como é de se esperar, com o tempo o ator cai no ostracismo. As pessoas ainda lembram dele, mas ele não tem mais o sucesso, badalação, prestígio e o dinheiro que tinha antes.

Thomson quer voltar à ativa. Por isso escreve, dirige e atua em uma peça para a Brodway.

90% do filme é rodado em um teatro de Nova Iorque. As tomadas, como já citado, são planos-sequência. Você vê os personagens conversando nos camarins, nos corredores, nas escadas, no palco...
Aliás, preste muita atenção no filme: embora o plano-sequência te dê a sensação de que o tempo está passando normalmente, o filme dá "pulos" no tempo enquanto os personagens estão se deslocando de um ponto a outro do teatro. O personagem estava agora mesmo falando que amanhã é o ensaio? Ele sai do camarim vai direto até o palco e já começa a ensaiar com os outros personagens.

Aliás, o filme marca diretamente a passagem do tempo umas quatro vezes, no máximo. A câmera aponta para o alto de um prédio, você vê céu escurecendo, as estrelas e a alvorada em fast foward... é assim que o filme te diz que é outro dia.

A fotografia é linda. Suja, realista, incômoda às vezes... mas é linda.

Mas vamos voltar ao roteiro.

Desde a primeira cena o filme dá a entender que Thomson tem super poderes. A imagem do ator de cueca no camarim, meditando enquanto flutua no ar é bem clara.

Durante todo o filme nós vemos Thomson movendo coisas (e a si mesmo) pelo ar, só com o poder da mente. Mas, sempre que alguém o está olhando, a cena meio que "muda" e só vemos um ator velho jogando coisas nas paredes, movendo as coisas com as mãos.

E a voz que Thomson escuta quando está sozinho, sempre dizendo para que ele largue a bobagem de teatro e volte a ser um astro dos cinemas... São cenas dignas do Golum brigando com o Smeagol, nos monólogos genias de Tolkien. E servem muito bem para que você fique na dúvida: Será que Thomson realmente tem super poderes e os esconde dos demais?

Durante o filme, nós estamos acompanhando os últimos ensaios até a noite de estréia da peça de Thomson.
Passamos pelo drama inicial do ator coadjuvante ser horrível, a troca por um ator mais qualificado (Edward Norton), os ensaios com esse ator MALUCO e todos os dramas financeiros para fazer a peça funcionar. A peça serve para nos mostrar a obsessão do homem. Aonde vemos Thomson tentando tomar o controle de sua mente maníaca e egocêntrica.

No backstage ainda vemos a relação de Thomson com a filha (que é sua assistente), com a sua namorada e com a sua ex-esposa. Essas relações servem para mostrar o quanto ele é amado sim; mas é muito egocêntrico e raramente consegue demonstrar empatia. Tudo gira em torno de seus projetos, de seus problemas e de sua vida.

Thomson descobre que a crítica de teatro do maior jornal de Nova Iorque pretende escrever uma crítica para destruir a sua peça, independente do quão boa seja.
Isso desencadeia uma enorme reação de loucura, aonde Birdman e Thomson discutem fortemente. Vemos cenas de ação, vemos uma tentativa de suicídio de Thomson... transformada em sobrevoo pelas rua de Nova Iorque.
Mas notamos que é uma alucinação quando Thomson chega ao teatro e, depois de "pousar" e entrar, a câmera volta para a rua e mostra um taxista saindo do seu táxi: "Ei! Volte Aqui! Ele não pagou a corrida!"

Thomson pira completamente. E, na última cena da peça na noite de estréia, em vez de usar uma arma falsa e um saco com sangue para estourar a cabeça do personagem, Thomson dá um tiro real em sua cabeça.

Platéia aplaude de pé. A crítica sai contrariada do teatro.

É o primeiro corte do filme inteiro, lá quase no final.

O filme retorna em um quarto de hospital. Thomson acertou e destruiu seu nariz. Todos preocupados com ele. A crítica teceu elogios únicos. Contratos por todo o mundo...
A ex-esposa, a filha e o agente saem do quarto. Thomson tira o curativo para ver seu "novo" nariz. Completamente insano, abre a janela do quarto, olha para a rua e pula.
Sua filha volta para o quarto, o procura e não acha. Vê a janela aberta. Corre para olhar para baixo...

Então ela levanta a cabeça. E sorri. Fim.

É o pião girando de Inception. E agora? 
Thomson se esborrachou no chão e sua filha está olhando para o céu, sorrindo de nervosa?
Ou Thomson está voando de verdade junto com os pássaros?


O drama humano é muito forte nesse filme. A angústia de não sermos mais plenamente úteis. De precisarmos nos reinventar a cada dia para podermos ser relevantes... Contrastando com a nossa incapacidade de olharmos ao nosso redor e notarmos que sim, somos relevantes para muitas pessoas ao nosso redor e que não precisamos mudar o tempo inteiro para surpreender ninguém...
E a dúvida paira no ar: qual das duas é a prisão? A prisão de precisar surpreender o tempo inteiro, ou a prisão de permanecer sempre o mesmo?

A escolha de Michael Keaton para o papel de Birdman foi um acerto único. O ator é perfeito para o personagem em tantos níveis que fica difícil descrever todos. A faixa de idade, a qualidade de ator que o papel precisa, a versatilidade, a necessidade de mostrar o envelhecimento da pessoa... E não há como não comparar o personagem com o próprio Keaton, uma vez que o Batman ficou encrustado em sua carreira, tal qual o filme indica que Birdman marcou a carreira de Thomson.


Eu adorei o filme. Quero tê-lo em casa para poder assistir com cuidado, muito mais vezes. Tenho certeza que me escaparam detalhes muito preciosos da trama.

E você? Encontrou tudo o que eu comentei? Viu mais? Discorda de alguma parte?

Nenhum comentário:

Postar um comentário