Eu ia postar esse texto no LinkedIn. Mas aquela porcaria de rede social limita a quantidade de caracteres a serem postados. Aí ela te manda para uma ferramenta de blog péssima.
Esse texto é de opinião. E o LinkedIn é tóxico demais. No LinkedIn você não pode ser você mesmo. Você não pode publicar opiniões que fujam um milímetro do convencionado no senso comum. Sob pena de recrutadores acéfalos te julgarem, mesmo que esses imbecis não tenham metade da bagagem que você tem.
Aí eu pensei em postar no Facebook. Mas sei lá. Eu não costumo colocar esse tipo de opinião minha direto no Facebook.
Então aqui estamos, meu velho e bom blog para desabafar tudo o que está incomodando na minha cabeça.
Com a vantagem que aqui eu posso conversar com você, amigo. Você é esperto o suficiente para me entender. E eu gosto disso em você. Aqui é um espaço seguro.
Sabe, eu gosto muito da minha área. E, olhando em retrospectiva, sempre foi o que eu tentei fazer.
Eu sou um agilista.
"Agilidade" significa algo como "organizar as organizações para garantir a máxima eficácia e eficiência ao atender os clientes, culminando em organizações altamente bem sucedidas".
Ficou bonito, né?
Na prática, "agilidade" é olhar com carinho para os objetivos da empresa e garantir que os processos corretos estejam sendo efetuados para garantirmos o melhor resultado possível.
Parece simples, né?
Porque, veja bem, é tudo o que toda empresa quer: gastar o mínimo possível para ter um produto ou serviço apaixonante, que os clientes precisem e queiram demais. E, portanto, paguem muito para ter.
Mas na fria realidade do dia a dia, as coisas não são tão fáceis, assim.
Encontramos teimosia de donos de empresa. "Eu paguei, eu que decido!" Mesmo que cada decisão deste dono enterre um pouco mais a própria empresa que nós estamos tentando salvar...
Encontramos gestores sabe-tudo resolve-nada. Geralmente promovidos por tempo de casa, eles juram que sabem tudo o que deve ser feito para o sucesso da empresa. Mas não têm a menor noção do que fazer, de verdade. Repetem métodos ultrapassados, se agarrando no que comprovadamente já deu errado para prosseguir.
Encontramos funcionários resistentes. Pessoal que estamos tentando ajudar e cospem na nossa cara.
Isso tudo sem falar do próprio mercado em si. Clientes ruins, mundo VUCA e o escambau.
O objetivo da agilidade é nobre e os desafios são gigantescos. Nossa comunidade de profissionais deveria ser muito unida. Só assim realmente conseguiríamos a força necessária para realmente mudarmos o mundo à nossa volta para melhor.
Mas a realidade...
A primeira coisa é que o mercado não sabe o que faz um agilista. É uma bandeira que venho empunhando sozinho há muito tempo. Às vezes nem os próprios agilistas sabem o que faz um agilista. Na prática, a empresa precisa de um coordenador, gestor ou diretor. Aí coloca "Scrum Master" ou "Agile coach" no título da vaga, só para ver se conseguem pagar R$5000,00 a menos para os candidatos.
Dentre os candidatos, temos vários tipos de agilistas.
Trincheira: Sou eu. Eu ponho a minha pele no jogo e o meu cu na reta. Eu me envolvo, eu entro no organograma da empresa, eu assumo riscos e eu estou suscetível às consequências das minhas decisões. Eu já fui desenvolvedor, então eu sei como desenvolver de modo ágil. Eu já fui coordenador, então eu sei como coordenar de modo ágil. Eu já atendi clientes, então eu já sei como atender clientes de modo ágil. Eu já conduzi projetos, então eu sei como conduzir projetos ágeis. Eu já fui dono de produto, então eu sei como criar produtos ágeis. E eu já ensinei mais de um grupo de pessoas a trabalhar de modo ágil. Eu tô lá, fazendo as tarefas a quatro mãos. Fazendo pair programming, entrando em reunião para ouvir esporro de cliente e contornar a situação. Eu tô na linha de frente para liderar pelo exemplo, ganhar respeito e entregar projetos.
Pônei: Têm uma dinâmica para qualquer assunto. Qualquer pergunta que façam, ele para o time inteiro, coloca o pessoal em uma sala todo um dia e bóra fazer atividades lúdicas. A maior parte dos times sequer entende o que está aprendendo. A maior parte das dinâmicas sequer funciona. E quando qualquer situação aperta, com certeza o agilista pônei está ocupado demais em alguma dinâmica para poder responder.
De palco. Êta raiva desse povo. Eles têm toda a teoria na ponta da língua. (Alguns não têm, mas falam tão bonito que até parece que sabem o que estão dizendo.) E têm apresentações LINDAS! Power Points de fazer inveja. O trabalho desse pessoal consiste em dar palestras. O tempo todo. Dentro de empresas, a única coisa que sabem fazer é reunir o time para suas palestras chatas. E que raramente dão algum resultado.
Certificados. Esses são os que eu tenho mais nojo. Tu abres o currículo desses filhos da puta e vê páginas de certificados. passaram a vida fazendo faculdades, pós, cursos e provas. Tu colocas um deles na frente de um time, capaz de se mijar todo. Não importa quanto tempo tenham de trabalho, sua postura é sempre de iniciante. Gaguejam. Tremem. São indecisos. Sempre precisam consultar um livro ou outra pessoa. Não sabem o que fazer no dia a dia, quando a decisão precisa ser tomada no momento crítico. Mas, veja bem, eles são certificados!
E em uma comunidade que é desunida, é comum que cada um desses tipos de agilista se sirvam da forma que melhor lhes convir.
E é aqui que os Agilistas de Palco se aproveitam dos Agilistas Pôneis e dos Agilistas de Certificados.
Os Agilistas de Palco criaram diversos eventos para terem o máximo de palco possível. Feiras, encontros, conferências e o escambau. Os Pôneis adoram essas conferências para "aprenderem" novas dinâmicas. Os Certificados querem... certificações! E nós, da Trincheira, queremos experiências reais para replicarmos no nosso dia a dia.
O problema é: a vida real é cinza. Não é empolgante. Ela funciona, mas não dá livro. Ninguém vai pagar para escutar eu dizer que segui a metodologia corretamente durante dois anos para, então, obter sucesso.
Então conferências da minha área acabam sendo um monopólio de Agilistas de Palco se aproveitando do dinheiro dos Agilistas Pôneis e Agilistas de Certificado.
Nesse ano houve um "TDC Inovation".
Neste TDC, houve uma palestra sobre como utilizar o Kanban para tornar sua empresa anti-frágil.
Eu nem perdi meu tempo. Só lendo o título eu - que estou usando kanban no dia a dia - já sabia que era uma furada gigantesca. A função do Kanban É TORNAR A ORGANIZAÇÃO ANTI-FRÁGIL. Esse é o propósito da ferramenta Kanban. Kanban são um conjunto de práticas e regras que, quando aplicadas corretamente através do tempo, levam a empresa a identificar e tratar os seus pontos de vulnerabilidade. Conforme a empresa trata esses pontos de vulnerabilidade, a empresa sai da fragilidade, passa a ser resiliente, se torna robusta e, enfim, anti-frágil.
Ou os autores da palestra descobriram algum acelerador milagroso nesse processo, ou iam falar mais do mesmo.
Eu fui atrás da empresa dos autores da palestra. Duas empresas que não são anti-frágeis. Eu sei que são empresas recém querendo se tornar resilientes. Com boa vontade dá pra dizer que em alguns aspectos uma das empresas é robusta. Mas se as empresas onde os autores trabalham não são anti-frágeis, como eles estão aptos a palestrar sobre o processo para transformar uma empresa em anti-frágil?
Se eu nunca fiz um gol na minha vida - nem na pelada do bairro -, como eu posso me propor a montar uma escolhinha para ensinar outras pessoas a fazerem gols?
A conta não bate!
Mesmo assim eu baixei a apresentação. Fui conferir o material, a apresentação e os comentários.
O material é um power point medíocre. Não dá nem para chamar de "resumo" do guia prático do kanban, porque deixaram assuntos essenciais de fora.
A apresentação, ahn, mal conduzida, ahn, sem treino, ahn, com clara falta, ahn, de domínio, ahn, do assunto, eeeeeeeeeee, ... bem, você entendeu. Se vão apresentar, pelo menos escreve um roteiro e treina na frente do espelho, antes. Caceta.
Mas os comentários... oh.... Se acabaram parabenizando os autores pela apresentação digna de quinta série.
"Ain Arthur, tu tá sendo despeitado, porque eles não te chamaram para palestrar e..."
Amigo, nem quero. Submeti duas palestras um ano para fazer média com o meu gerente na época. Apertei o "enviar" rezando para Odin para não ser escolhido.
"Ain Arthur, mas outras pessoas não sabem do assunto, foi bom pela divulgação e..."
Só tinha "convertido" no local. Só agilista que gosta de kanban. Todos ali sabiam sobre o assunto. Ninguém precisava escutar aquilo. Falar para convertido é fácil. Difícil é pegar o dono da empresa de 80 anos que nunca ouviu falar de agilidade e provar para ele que a empresa precisa de melhoria contínua.
O fato é que deram palco para os autores. Essa semana estão ambos lá. Imberbes, não têm 25 anos de idade, já ostentando "Agile Coach" como cargo. Não sabem nada do dia a dia. Nunca enfrentaram uma trincheira. Nunca tiveram que controlar uma crise criada por algum gerentão cascata, tentando jogar toda a culpa do insucesso do projeto na agilidade. Nunca tiveram que mediar uma briga de executivos para garantir o lançamento de um MVP. Nunca estiveram alocados dentro de um cliente estatal, cheio de política, pisando em ovos, para garantir o lançamento do sistema e o contrato da empresa com o órgão.
Mas, veja bem, estão lá palestrando o que os outros devem fazer para atingir sucesso em suas empresas.
Eu não culpo os autores. Nem um pouco. Estão jogando pelo sistema. E o sistema é esse.
Eu culpo o jogo, não os jogadores.
A inutilidade de pagar para passar dias escutando mais do mesmo em palestras inúteis, apenas para "ver e ser visto".
Os organizadores - muitos dos quais "de Palco", longe do dia a dia da agilidade - dando palco para seus protegidos ou escolhendo assuntos tão rasos quanto a experiência dos próprios...
E a plateia? Bem. A cada dia que passa, mais e mais amigos meus se distanciam desse tipo de evento.
O TDC? Continuará existindo. A força dos agilistas de palco é grande. Eles são ótimos em aparecer. Estão comemorando a pandemia, pois assim conseguem vender mais os seus canais e cursos online. E sempre existirão agilistas pôneis e de certificado para pagar essa zorra toda.
Eu? Eu escrevi esse texto inteiro porque são os Agilistas de Trincheira que se ferram com tudo isso. Nossos clientes acabam escutando sobre essas balelas dos agilistas de palco. E quando nossos clientes olham o dia a dia cinza que estamos fazendo com as apresentações coloridas de mundo ideal dos agilistas de palco, somos nós, agilistas de trincheira os criticados.
Talvez o que sobre desse texto inteiro seja a necessidade de um "Encontrão da Trincheira". Identificar palestrar por resultados. Um monte de gente falando sobre o pulo do gato dos seus projetos. O triste é que agilista de trincheira está ocupado demais ganhando dinheiro de verdade para preparar palestrinha para os outros.
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