terça-feira, 2 de junho de 2015

Inovação: Um ode às tentativas frustradas

Outro dia eu debatia com um religioso (não pergunte) e ele disparou: "Vocês, adeptos da ciência, acham que sabem de tudo!"

Antes de mais nada: não somos nós, "adeptos da ciência", que fingimos ler UM livro e saímos dizendo que estamos pregando "a verdade".

E Não. Não achamos. Na verdade, nós sabemos exatamente o quanto sabemos.

Cerca de 95,1% do Universo é composto de matéria e energia escuras. Não temos a menor ideia do que sejam, embora consigamos notar suas consequências no universo.
Dos 4,9%, nós conseguimos enxergar e mapear com precisão pouco mais do que o nosso sistema solar interno. (http://astro.if.ufrgs.br/univ/)
Dos 0,00000000000001% restantes, temos algum conhecimento da Terra, da Lua, de Marte e mais alguns objetos por aí. E esse conhecimento é parcial. Nós não sabemos tudo o que existe nos oceanos da Terra. Não temos conhecimento abaixo de alguns quilômetros da crosta terrestre.
Dos 0,000000000000000000000000001% restantes, coloque aí que temos registros históricos de uns 10.000 anos. O resto nós aprendemos escutando o que indícios nos falam. Para o passado, porque para o futuro nós não sabemos nada. Bilhões e bilhões de anos em que coisas aconteceram... e nós não sabemos de nada.

Eu vou trabalhar com o número 0,00000000000000000000000000000000000000000000000000001%. Isso é o que a ciência sabe. E é um infinito a mais de conhecimento do que os conhecimentos de todas as religiões do mundo. Somados.

Disse isso pois uma das coisas que a ciência SABE é como a vida evolui. Certo como o sol nascerá dia após dia por alguns bilhões anos... a vida evolui para se adaptar ao meio. O meio é quem manda. 
Coloque a vida em um meio gelado, ela achará um jeito de sobreviver ao frio.
Coloque a vida em um ambiente quente, ela achará um jeito de não fritar.

E como a vida acha um jeito?
Através da diversidade.

Somos máquinas químicas, amigo. Nunca deixe ninguém tentar te falar o contrário. Não somos máquinas morais, não somos máquinas emocionais, não somos seres escolhidos por deus.
Somos um monte de substâncias químicas, envoltas em uma casca.

Temos uma receita - o DNA - que gera o RNA. O RNA é como se fosse uma "forma". O RNA ajuda as substâncias corretas - que conseguimos através dos alimentos e da respiração - a entrarem em uma ordem correta... formando uma molécula. O grande grupo dessas moléculas que o RNA cria interagem. E, por falta de definição melhor, essas interações entre moléculas que o RNA cria são o nosso corpo.

Nosso corpo, por sua vez, é um viciado. Todo corpo é viciado nas moléculas que "encaixam direito" nas células: os Hormônios. Essas substâncias proporcionam a sensação de prazer. E queremos essa sensação de prazer pela maior quantidade de tempo. Queremos que nosso corpo libere essas substâncias. Então vivemos fazendo as coisas que aprendemos que fazem o nosso corpo liberar esses hormônios. Falar com amigos. Comer. Dormir. Atividades físicas. Vencer competições. Sexo. Etc... Alguns de nós até aprendem que existem substâncias externas que podem substituir as que o corpo produz. Pra que esperar pela adrenalina se podemos cheirar cocaína? Pro corpo dá no mesmo.

Falei da química toda para lembrar: o trabalho do DNA e do RNA não é infalível. Se o corpo não tem as substâncias corretas, moléculas diferentes das necessárias serão produzidas. E serão usadas.
E essa alteração vai alterar os gametas produzidos. Pouca coisa, mas o suficiente para que os filhos não sejam cópias exatas, um amalgama perfeito do casal.

Cada nova geração aparecerá como uma pequena diferença.

Variedade.

A inacreditável maioria dos indivíduos falhará. Ou sairão muito parecidos com os pais, não contribuindo para a diversificação... Ou suas diferenças não serão suficientes para enfrentarem o meio com sucesso.
Mas sempre existirão aquelas alterações que REALMENTE darão boas contribuições para o meio. Esse indivíduo será mais forte, mais inteligente, mais ágil, sei lá... Esse indivíduo viverá mais. Terá mais sucesso. Será mais atrativo. Terá mais filhos. E lentamente, geração após geração, seus genes dominarão toda a comunidade.

Veja bem o exemplo da África. Lá a malária corre solta. É um saco. Pessoas morrem direto. Quer dizer... pessoas de fora, não adaptadas. Malária não se manifesta (e não mata) pessoas que tenham anemia falciforme. (Basicamente, o glóbulo vermelho não tem a forma de uma rosquinha, mas a forma de uma "vírgula", uma "foice".)
Alguém teve uma anemia por muito tempo. Essa anemia detonou a produção de proteínas a partir do RNA. Uma mutação ocorreu. Bebês nasceram, e nasceram e nasceram... Até que um dia um bebê nasceu sem a doença da anemia, mas com as hemácias da anemia. Uma pessoa saudável e imune à malária. Uma pessoa que viveu tanto mais, que hoje a maior parte da África descende desse bebê.

Entenderam? A melhor solução vence. Quem melhor responde ao meio vive mais. É mais atrativo. Tem mais filhos. Passa a característica. E a vida encontra um jeito.

Falei tudo isso porque o princípio da seleção natural é imutável. E ele é intercambiável. Pode ser utilizado em qualquer sistema de evolução, que funcionará.


Você sabe que eu sou músico? Não? Então. Eu sou músico. E se eu te disser que tenho uma pilha de algumas centenas de músicas fracassadas, para cada música minha que eu acredito ser boa o suficiente para apresentar para os outros?

Você sabe que eu escrevo, né? Bem, você está lendo esse texto meu, aqui... Enfim, e se eu te contar que tenho algumas centenas de textos deixados de lado para cada texto que eu publico?


A vida é assim com todas as áreas. A inovação, a criatividade... são processos evolutivos.
Você precisa tentar, testar, experimentar. E você precisa estar ciente que a maior parte das coisas que você tentar darão errado. Paciência, aprende-se com o erro e segue-se em frente. Nem que seja para aprender que AQUELE caminho não funciona.

Hoje eu assisti uma palestra do Google sobre inovação.
Eles perguntaram o que era a inovação para todos que estavam assistindo. Então. Essa é a minha noção de inovação.

Ninguém sabe o futuro. A vida, como um todo, é um exercício de tentar adivinhar o que acontecerá no futuro. E tentamos adivinhar o que acontecerá no futuro para começarmos a trabalhar nas ideias que achamos que melhor atenderão ao futuro previsto. Apostamos nossas fichas nessa previsão, criamos uma solução, trabalhamos duro para colocar a solução em prática... para quando o momento da previsão chegar, nós tenhamos a solução que ajudará a todos com o problema previsto.

Às vezes nós prevemos errado e trabalhamos errado...
Às vezes nós prevemos direito e trabalhamos errado...
Às vezes nós prevemos errado e trabalhamos direito...
E algumas vezes nós prevemos direito e trabalhamos direito. Nesses momentos nascem os grandes nomes da nossa história. Aqueles que nós chamamos de "visionários". Aqueles que estão armados com a melhor alternativa no exato momento que o problema se manifesta. Aquelas pessoas que resolvem o problema de - literalmente - todo o mundo.

Ideias estão sempre em um ambiente evolutivo. Nascem ideias todos os dias. Elas cruzam e evoluem. E ideias são quase como vírus. Elas infectam a cabeça das pessoas.
A Internet está aí justamente promovendo essa gigantesca suruba de ideias. Todos os dias colocamos nossos pensamentos para brigar.
A grande maioria das ideias são lixo. (Alguém poderia juntar todas essas ideias e gerar um banco de dados de fácil consulta. Toda vez que alguém tivesse uma ideia, consultaria o "Grande Monte de Ideias de Merda". Se a ideia estivesse ali, a pessoa poderia largar a ideia ruim e seguir em frente... Ãhn... Bem... Talvez essa seja uma ideia para ir para o lixo...)
Mas algumas ideias são boas. Elas ajudam as pessoas a irem para frente. Essas ideias são vencedoras na competição evolutiva.

E o que é o capitalismo senão uma cadeia de trabalho para resolver os problemas dos outros... no melhor estilo "cada um na sua, mas com alguma coisa em comum"?
Inovadores ficam ricos porque eles têm o produto certo, na hora certa... e, por isso, atendem sozinhos às necessidades de quase todos.

E eu insisto: para cada inovador que resolveu o problema de muitos, existe uma pilha com centenas de outros inovadores que não deram certo. Com produtos que atendem a outros problemas. Outros problemas que eles previram, de modo errado.

Este texto é um ode. Uma lembrança a todos estes heróis que a história não reconheceu. Pessoas que trabalharam arduamente, mas o resultado do seu trabalho não resolve a vida de ninguém.
Uma lembrança de que você deve seguir esse caminho de prever e trabalhar duro, convicto na sua previsão. Mas que você deve lembrar que acertar a previsão é como acertar na loteria.

Aí entram as empresas. Empresas que "fazem tudo como sempre foi feito" são dinossauros. Um dia o meio mudará e a solução deles "que sempre ajudou todo mundo" não fará mais sentido. As finadas máquinas de escrever que o digam...
Cada empresa deve manter um grupo de inovadores. Deixar pessoas livres para implementar o "day-dreaming". Para criarem produtos-conceito. Para terem expertise em diversas soluções. Para terem algum caminho trilhado para cada problema que o meio colocar na nossa frente.

Liberdade. Tudo se resume à liberdade indo contra o conservadorismo. Contra o demandado pelo poder central. Contra a planificação. Deixar as pessoas serem diferentes. Deixar as pessoas errarem e acertarem, com a certeza de que cada acerto dará muito mais retorno do que o custo das centenas de tentativas fracassadas.

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