sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Parceiro Ideal X Paixão Arrebatadora

Segundo teorias mais modernas, o cérebro do ser humano é dividido em duas partes.

Bem, que o "hardware" era composto por mais de uma parte, isso eu já desconfiava há muito tempo. Já escrevi aqui neste blog sobre essa minha impressão. Se olharmos um corte do nosso cérebro, podemos comparar os cérebros das demais classes de animais e sempre encontraremos semelhanças incríveis. O nosso bulbo cerebral (parte que liga nossa espinha ao cerebelo) é inacreditavelmente igual ao cérebro de qualquer peixe. O nosso cerebelo (parte que cuida das funções instintivas básicas) é absurdamente igual ao cérebro de qualquer réptil. E o nosso cérebro superior é praticamente igual ao de qualquer outro mamífero e muito similar ao das aves.

Nossa espécie se salva porque nosso cérebro tem muito mais dobras, química mais refinada e mais ligações entre os neurônios. Afora isso, nosso cérebro é como se um ENIAC estivesse envolvido por um 486, que, por sua vez, está envolvido por um Galaxy ou iPhone.

Lendo o livro "Rápido e Devagar, duas formas de pensar", encontrei todo o embasamento para afirmar que não são só as características fisiológicas no nosso cérebro que compartilhamos com os nossos primos com quem temos ancestrais em comum.

O Daniel deixa claro em seu livro que o software que roda na nossa cabeça tem dois processamentos paralelos. 
Um deles é lógico, matemático, exato, lento e preguiçoso. Ele gasta muita energia, que o corpo humano não quer gastar.
O outro deles é instintivo, abstrato, emocional, perceptível, programável, rápido e disponível. Este gasta pouca energia, por isso o corpo o utiliza mais.

Relacionando o software com o hardware, nosso cérebro peixe/réptil detém a mente rápida. 
O nosso cérebro mamífero superior detém a mente lenta.

Assim, Entendemos porque as pessoas não gostam de se concentrar. Porque as pessoas que são forçadas a longos períodos de concentração se estressam com maior facilidade. Nosso corpo não tem tempo de evolução o suficiente, para que a consciência superior - de que temos comida o suficiente para mantermos o cérebro lento ligado o dia inteiro - seja transferida para a mente rápida.

E como o instinto está na mente rápida, temos que esperar mais alguns milhares (ou milhões) de anos, para que o nosso cérebro lento programe a base do nosso cérebro rápido.

Até que isso aconteça, os estudos de Sir Robert Winston mostram exatamente a base do nosso comportamento. Mesmo vivendo em uma sociedade moderna, com uma segurança de vida, saúde, alimentar, de abrigo e emocional jamais alcançadas antes na história humana, nós nos comportamos tal qual homens das cavernas. Brigamos nosso dia-a-dia como se fossemos caçadores/coletores do neolítico.

Simplesmente ridículo.

E, misturando esses três conceitos, eu tenho notado que o ser humano está tão programado para não usar seu cérebro rápido, refinado e superior, que desenvolvemos comportamentos que visam "desligar" nossa consciência.

É quase uma corrida contra o tempo, literalmente. Não queremos sentir o tempo passando. Parece que dói se expandirmos nossa consciência e passarmos a processar a informação de um universo inteiro. Simplesmente preferimos não lidar com isso.

Preferimos as saídas que anestesiam nosso cérebro. Que nos ajudem a fugir do peso do momento.
Álcool, drogas, televisão, música, conversas fáceis e tolas, facebook e toda sorte de ação que nos tire do papel ativo (interpretadores, analistas e realizadores) e nos jogue no papel passivo (contemplação, mera descrição, jogo social raso, sono profundo ou até o torpor de um coma alcoólico).

Talvez por isso gostemos tanto de novas paixões. O coquetel químico que o nosso cérebro primitivo dispara, visando fazer com que o macaco irracional (que ele tem certeza que nós somos) procrie, simplesmente nos tira desse mundo. Vamos lá, todos nós já tivemos essa sensação. E todos nós já julgamos ela como sendo "maravilhosa". Borboletas no estômago, parece que nós flutuamos, que o tempo não passa, que a pele é mais macia, que as fragrâncias são mais cheirosas, a visão periférica turva e a visão central parece captar cores que nunca notamos, antes.

Esse primeiro momento da paixão é um resultado da química do nosso corpo nos dando tudo aquilo que nós mais queremos: o cérebro desligado. Não pensar em nada, deixar o instinto seguir a sua programação e, no final, ainda ganhar uma recompensa hormonal boa. Risadas leves, sensação de conforto e de bem estar.

Paixões nascidas assim parecem ser coisas ótimas. Únicas. Mas, se você for analisar a fundo, nosso instinto nos manipula, usando drogas que nos entregam tudo aquilo que nós mais queremos. Somos reféns do nosso corpo. É bom, mas é realmente o melhor?

Bem, aqui encontra-se a dualidade. Tem gente que acha que só o tipo de arrebatamento emocional passional que descrevi é o correto. Se a paixão avassaladora não acontecer, nada mais acontece. 

Só que o cérebro superior, lento e exato também se apaixona. A diferença é que essa porção mais sensata do cérebro não tem acesso ao arsenal químico que o cérebro primitivo possui. Então, muitas vezes, encontramos A PESSOA IDEAL. Essa pessoa tem o comportamento que tu procura em um parceiro. Essa pessoa tem o visual, o cabelo, a pele, os olhos, o cheiro, as ideias, o sorriso... Enfim, você sabe que com essa pessoa você teria um relacionamento perfeito.
Muitas vezes, acontece dessa outra pessoa também notar essas mesmas coisas em ti. Um casal perfeito se formando.

Só que, por falta de acesso ao arsenal químico, as paixões desse cérebro não acontecem naturalmente. Há de se ter muito esforço. Lembra-se de que o cérebro lento consome mais energia? Basear todo um relacionamento nesta camada do cérebro é custoso para o organismo. É preciso um exercício de boa vontade muito grande para que não se contabilizem as gentilezas necessárias para tocar o dia-a-dia. E mais processamento superior para evitar pensamentos como "eu me esforcei tanto por ti"...

Isso porque, mesmo que o cérebro superior tenha encontrado um "par perfeito", isso jamais acontece na realidade. Todos temos que nos adaptar aos nossos parceiros. Uma coisinha aqui, outra ali. Temos que relevar e até mudarmos alguns comportamentos, em nome da manutenção do relacionamento.

O fato é que, para um relacionamento criado a partir do cérebro lento dar certo, é necessário que, em algum momento, esse relacionamento acesse a mente rápida e a faça utilizar o arsenal químico.
Um dos processos mais conhecidos é o de se obrigar a ficar com a pessoa por algum tempo. Literalmente "empurrar o relacionamento com a barriga" por alguns meses. Talvez um ano. Então, depois do cérebro rápido já estar acostumado com o parceiro, remove-se repentinamente o parceiro do dia-a-dia. Mesmo indo contra o sentimento que existe, rodando no cérebro lento.
Uma viagem, um afastamento proposital, um rompimento dramático ou qualquer coisa que force o desligamento completo.

Depois, basta esperar que a mente rápida sinta falta do parceiro. Se a mente rápida sentir saudade, ela consultará a mente lenta. Se a mente rápida encontrar bons momentos, dedicação e sentimentos pela pessoa na mente lenta, logo utilizará o arsenal químico, provocando as ondas da paixão já descritas.
Então o relacionamento começa "de verdade".


Escrevi esse texto porque encontrei essa resposta para a dualidade que tanto me atormentava. Qual é o tipo de relacionamento correto? O que arrebata o coração no primeiro olhar, ou o ponderado, aonde trabalhamos o relacionamento até que ele seja especial e único?
No final das contas, ambos estão corretos.
Por um lado, a mente rápida inicia um relacionamento mais facilmente. Te dá mais prazer e toda a motivação necessária para passar por cima das diferenças não analisadas, antes do início do namoro. Passa algum tempo e ou o corpo se acostuma com as doses de neurotransmissores ou esses neurotransmissores vão sendo produzidos em menos quantidade, conforme o cérebro rápido nota que as tarefas necessárias para a procriação já foram realizadas. Deste ponto em diante, a mente lenta assume, pesando os pontos bons e os pontos ruins do relacionamento. Pesando o esforço já dispendido para construir e manter a vida a dois. Se a balança não for muito desfavorável o relacionamento prossegue.
Pelo outro lado, a mente lenta inicia um relacionamento com mais dificuldade. É quase uma decisão analítica. Há quem diga que relacionamentos como este começam com uma "forçação de barra". Relacionamentos iniciados pela mente lenta parecem estar em banho-maria. São pouca coisa a mais do que "Amigos com Benefícios". Estes relacionamentos podem se estender por anos a fio, enquanto esperam pela fagulha da paixão, despertada pela mente rápida. E essa espera pode resultar em algo maravilhoso, se o tal do cupido vier e flechar o casal, um na direção do outro. Porque há sempre a angustia de que o cupido burro desperte a paixão de um dos enamorados na direção de outra pessoa.

Em ambos tipos de relacionamento, o início e o meio são bons. Mas os dois tipos de relacionamento dependem da utilização das duas mentes em conjunto, para que se prolonguem. Um relacionamento baseado só na mente rápida começa, dá muita emoção, esfria rapidamente e termina com a busca do "animal ser humano" por um novo parceiro para procriar. Já o relacionamento baseado só na mente lenta é um eterno esforço para manter uma convivência pacífica, com alguns benefícios. Um eterno banho morno em uma tarde de domingo chuvosa, que pode terminar no momento em que um "animal ser humano" encontrar um novo parceiro para procriar ou quando os dois notarem que se tornaram irmãos que dividem uma vida...

No fim, o que importa é a escolha. Cada um de nós faz a sua. Ou se entrega para os instintos primais no início, ou espera por eles no meio do relacionamento.

Como o ser humano é motivado por resultados a curto prazo, quase todos nós optamos por amores arrebatadores. O que não notamos é que, como todas as escolhas da vida, a opção a médio ou longo prazo nos dá um retorno maior. Ao escolhermos conscientemente uma pessoa com quem temos mais afinidades para, então, esperar pelo arrebatamento emocional, nós estamos garantindo menos brigas, menos discussões, menos gasto de energia e, portanto, menos desgaste para nossas vidas. Assim, sobra mais tempo para planejarmos e executarmos coisas boas da vida.

Não sei se eu me expressei bem e se eu me fiz entender. Mas essa explicação silenciou uma dúvida que me acompanhou desde o início da minha puberdade. Hoje eu consigo dormir com menos uma pergunta na minha cabeça. No fim, há uma escolha mais inteligente, mas ambas estão certas.

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