Sim, esse texto é sobre a saga Crepúsculo.
Antes que você teça comentários questionando a minha sexualidade, minha capacidade de "mandar em casa" ou, ainda, achando extremamente fofo que um homem assista a este filme, um aviso:
Só fanáticos bitolados consomem apenas as coisas que lhes interessam.
Sim. Se você é um ateu que ama a ciência, mas nunca parou para ler a bíblia (ou alcorão, ou qualquer outro livro "sagrado"), você é um fanático bitolado tal qual as pessoas que só conseguem ler... a bíblia.
Conseguiu captar o que eu quero dizer? Para você conhecer o vinho bom, tens que provar o ruim. Base de comparação. E, mesmo no pior vinho, você pode encontrar alguma coisa de bom, que pode adicionar à sua vida. Nem que seja a história para contar para seus amigos, daquela vez em que você caiu na bobagem de provar um vinho diferente.
Ter contato somente com as filosofias que nós gostamos é o caminho mais rápido para tornarmo-nos fanáticos bitolados de primeira linha. Ideias novas arejam o cérebro e revigoram nossos pensamentos. Nos mostram que ainda existem muitas coisas que não sabemos e, com isso, nos fazem mais jovens.
Mas voltando ao assunto, amigos, eu assisti ao filme Crepúsculo (extremamente bem acompanhado, diga-se de passagem). E, conforme o filme se desenrolava, eu ganhava todas as explicações do que acontecera nos filmes anteriores e os rumores do que acontece no filme que está nos cinemas. Aliás, interessei-me o suficiente para querer entrar em uma sala de cinema e ver o final da saga. Talvez, quem sabe, até comprar o box completo, para poder falar com completa propriedade, depois de ter assistido à tudo.
Quanto à história da saga, tenha em mente que assisti a apenas um dos filmes. Logo, minha interpretação e análise do todo são baseadas na extrapolação da primeira parte da conclusão da saga e nos relatos dados pela minha excelente companheira.
A partir do trecho observado, não consegui deixar de notar que a saga Crepúsculo é a história que melhor mostra a situação atual do nosso tempo. Sim, há simbolismos e cultura comportamental em todos os personagens, escolhas e, portanto, no próprio andamento da história.
1 - O fantástico sobrepuja o real.
Tim Minchin, em seu poema de nove minutos, pergunta para "Storm": "Como o nosso Universo falha em prender a nossa atenção? Porque a mente humana precisa criar fantasias para se maravilhar com o todo que já existe e é palpável?".
Neil de Grassi Tyson, quando questionado sobre o que é mais fascinante na ciência, diz: "Saber que cada átomo que compõe nosso corpo foi forjado dentro de estrelas. E que a matéria que faz parte de cada um de nós tem a idade do Universo".
Amigo, o mundo natural já se basta por si só. Já comentei, AQUI, como o motivo de todas as religiões passa - necessariamente - pelo medo da finitude. Nós, seres conscientes de si, não aceitamos bem a ideia de que vamos morrer. Mas isso não é o pior. Porque, em muitos momentos, podemos escolher nos sacrificar em função de algo que julguemos maior. O pior é nossa recusa em aceitar que pessoas queridas para nós, morram. Imaginar que nunca mais veremos maridos, esposas, pais, mães, irmãos, filhos, avós, amigos... Isso nos deixa completamente desesperados.
E, visto nossa impossibilidade de aceitarmos o triste destino ou de superarmos a barreira da morte, passamos a fantasiar. Muitas vezes de modo compulsivo, até. Sim, compulsão, vício... novamente uma doença.
Essa fantasia toma proporções gigantescas, porque, assim como o funciona Capitalismo por afetar a nossa cobiça e inveja, a ilusão da imortalidade consegue afetar - de uma vez só - todos os nossos defeitos capitais. A ideia de viver para sempre satisfaz cada um dos defeitos que nos satisfazem e deveriam ser evitados por nós.
Religiões criaram seus mitos para oferecer esta ilusão para seus seguidores.
A ciência vêm se esforçando dia a dia para tentar superar a barreira da morte. E, em comparação com os demais métodos, é o único que já conseguiu nos oferecer resultados convincentes.
Mas ainda existem pessoas que gostam de criar seus próprios mitos. Criaturas fantásticas que têm o poder de não morrerem e de transferi-lo para qualquer um de nós, pobres mortais.
O vampiros da saga Crepúsculo atingem com exatidão esse nicho. As pessoas quase não notam, mas o filme flerta com esse ideal de nunca morrer o tempo inteiro. E isso prende muito a atenção do espectador.
2 - Ideal feminino moderno.
Bella é a personificação dos desejos femininos modernos.
Sim. Embora muitas mulheres insistam que querem ser independentes e fortes, a verdade é que todas têm dificuldades em serem determinadas e fortes o tempo inteiro. Aliás, isso não é exclusividade feminina. Não, amigas e amigos. Muito pelo contrário, isso faz parte da condição humana. Todas as pessoas (não importa se são homens ou mulheres) criam sua própria máscara para anunciar para todos: sou forte! Mas, a verdade, é que quase ninguém (se não for absolutamente ninguém) é realmente tão preparado e forte, assim. Todos precisamos de um carinho, de atenção... de afeto para aguentarmos o mundo frio e cruel que nos interpela todos os dias e, assim, sentirmos-nos protegidos.
E Bella usa muito bem essa máscara. Por muitas vezes achamos realmente que ela (uma reles mortal) está no controle da situação, mesmo rodeada de seres com poderes extraordinários.
Bem, o filme coloca Bella como um ser único. Mesmo humana, inexplicavelmente ela é imune à maioria dos poderes extraordinários dos seres fantásticos que ela conhece.
Isso nos dá a impressão de que ela é poderosa. Que ela é uma pessoa que todos gostaríamos de ser: naturalmente únicos, protegidos do meio hostil e, assim, acaba sendo decidida e forte.
Mas, ao mesmo tempo, ela é disputada por dois seres super-poderosos. O que só aumenta o poder dela, a sua sensação de estar no controle e de proteção.
Ou seja: tudo o que todos nós esperamos de um romance ideal.
3 - Romance ideal.
Uma vez que uma mortal e um vampiro se apaixonam, fica a impressão de que o amor deles será eterno. Aliás, essa é a premissa da saga inteira: quando o Edward irá transformar Bella em vampira, para que os dois possam partilhar seu amor pela eternidade?
Claro que, com o passar dos anos, nós notamos que esse sonho não é bem assim. Não é qualquer um que serve para ser esse nosso "amor para a eternidade". E, mesmo que você encontre a pessoa ideal para esse "amor para a vida toda", há muito trabalho para criar a relação, estabelecê-la e, é claro, mantê-la.
Aliás, graças - novamente - aos avanços científicos, sabemos que somos mais como máquinas químicas e, por isso, até mesmo os sentimentos que temos são meras sensações desencadeadas por feromônios, hormônios e neurotransmissores. O romantismo e o ideal de amor são "explicações mágicas" sobre o que é a paixão e o desejo. Você não pode negar isso. E a saga Crepúsculo é primorosa em manter esse ideal romântico no ar.
E, melhor do que só mantê-lo vivo, o ideal romântico que é utilizado é o moderno: a mulher forte, dividida entre dois amores, mas decidida. Tudo o que toda pessoa sonha: Ter dois pretendentes perfeitos, cortejando-a.
E a Bella vai fundo na capacidade de explorar esse triângulo amoroso sádico-masoquista.
4 - Parceiro Indeciso.
O que é um romance sem o sofrimento, né?
A saga Crepúsculo inteira se resume à apenas um único ponto: Quando Edward transformará Bella em vampira? Se Edward estivesse decidido em ficar com Bella, transformaria ela na primeira meia hora do primeiro filme. Acabaria aí a saga inteira. Os dois teriam uma eternidade juntos. Pronto.
Mas não. Edward demora muito tempo para fazer isso. E, se formos interpretar esse fato, chegamos à conclusão que Edward tem o comportamento do "homem-aproveitador-de- mulheres-cafajeste-padrão". Não notou? Eu explico, amigo.
Edward diz que ama Bella. Luta por ela. Protege ela. Flerta o quanto pode. Mas, ao não transformar Bella em vampira, ele está determinando que o relacionamento deles tenha data de validade: o tempo de vida de Bella. E, vamos combinar: mesmo para um hipotético recém-criado vampiro, que tem a imortalidade pela frente, o tempo de vida de um ser humano é quase "um final de semana". Sim, Edward mente que não quer "amaldiçoar" Bella (que já está decidida a virar vampira desde cedo, na história!!). Até mesmo os vampiros que coordenam e controlam o mundo vampírico aceitam que Bella seja transformada em vampira. Toda a "família" de Edward já trata Bella como uma deles. Tudo está pronto para que os dois fiquem juntos! Mas Edward resiste - sistematicamente - a transformá-la. Quase como um cara que "cozinha" o relacionamento com a menina, só para se aproveitar dela.
5 - Pretendente perfeito sendo preterido.
Bella tem um affair com Jaccob, um Lobisomem, enquanto Edward foge da relação, por indecisão. E, assim como em todos os contos que mesclam vampiros e lobisomens, o Lobisomem é um protetor da vida, dos humanos e de tudo o que é bom e respeitável, no mundo. E, como vampiros são a manifestação da morte e do anti-natural, já existe uma rivalidade imensa. Jaccob insiste para que Bella continue viva. Ele só quer o bem dela. Ele conversa, protege, luta e oferece todo o respeito possível para ela e suas opiniões.
Em resumo, Jaccob é o cara perfeito para Bella. O homem que irá lhe oferecer o melhor relacionamento possível. Com base em respeito, amizade e amor.
E, no melhor retrato possível dos relacionamentos modernos, Jaccob é arremessado na "friend zone" por Bella, sem direito a defesa ou apelação. Sim, Bella prefere sofrer pelo vampiro que parece estar brincando com seus sentimentos (fazendo-se de bom moço, no processo) do que ficar com o homem que realmente irá tratá-la bem.
Poxa, Edward sequer respeita a opção de Bella em ter o filho deles. E, não se enganem: ele só não concordava porque sabia que ela não aguentaria e acabaria tendo que ser transformá-la em vampira. Tudo o que ele não queria fazer. E Jaccob, mesmo sabendo que perderia o amor da sua vida, entendeu, acatou a vontade e protegeu Bella o quanto pode. Mesmo ficando contra seus próprios iguais.
Resumindo, ao que me parece, a temática desse filme foi construída com o intuito de ser completamente aceita pelo público feminino-com-ideal-romântico- adolescente. Tudo o que as meninas mais desejariam viver está ali. Em linguagem feminina. Com todas as dúvidas, certezas, contradições e lógicas que uma menina possui. Uma verdadeira armadilha de marketing, para atrair e capturar a atenção e - é claro - o dinheiro do público que, sabidamente, tem o maior poder de decisão de compras em uma família.
Para criar polêmica, por mais que eu tenha achado ruim Crepúsculo, pelo menos é melhor que a saga Harry Potter. Enquanto a história do feiticeiro me transparece que a autora nunca sabia o que aconteceria a seguir, Crepúsculo se mostra uma flecha certeira, com todo argumento muito bem pensado e dirigido.
Eu só consigo lamentar ao ver multidões de meninas se deixarem manipular e enganar, chegando a ficarem histéricas pelas histórias em torno dessa saga. Por perderem seu tempo com o fantástico, em lugar de estarem se preparando para serem pessoas cada vez melhores.
É, eu sei. Você dirá que eu perco meu tempo com "Idiocracy", "Senhor dos Anéis" ou "Clube da Luta". Eu já revidarei dizendo que eu não gasto meu suado dinheiro com bobagens destes filmes, não me deixo explorar pela moda contida neles ou, ainda, só extraio a filosofia que colocam nos filmes, de modo crítico.
Bem diferente do que pagar para ser completamente manipulado e sofrer lavagem cerebral...
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