quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Liberdade X Paternalismo



Eu gosto de pensar nas dualidades, sabe? Aliás, quem lê o Ponto Final assiduamente nota que cada texto meu é resultado direto do meu pensamento sobre alguma dualidade. Alguém berra “Azul”. Outro berra “Vermelho”. Entra o Arthur, lê, pesquisa, conversa com amigos, pensa sobre o assunto e, então, escreve a sua opinião aqui.

Dentre as dualidades interessantes do nosso tempo moderno, talvez a que eu mais pense e menos chegue à uma conclusão definitiva seja a da Liberdade X Paternalismo.

Às vezes eu penso ter chego a alguma conclusão. Corro e escrevo a respeito. Mas, no segundo seguinte, vejo um exemplo qualquer que, rapidamente, me fez repensar o que havia dito. Reescrever. Desdizer-me.

Essa dualidade basicamente se dá entre o "deixar os indivíduos livres para escolherem seu caminho" e o "a sociedade precisa ser guiada para chegar a algum lugar".

Eu gosto da ideia de Liberdade, sabe? Gosto porque, modéstia à parte, me considero uma das pessoas que consegue pensar sozinho e, por causa disso, seria beneficiado por um mundo mais liberal.
É, eu sou daquele tipo de pessoa que discerne o certo e o errado. Consigo agir de forma a não me prejudicar, não prejudicar terceiros e, via de regra, colaborar com o bem coletivo.

Exemplo? Acabei de colocar uma bala na boca e não há nenhum lixo por perto, na rua. Eu sou o cara que guarda o papel da bala no bolso. Esse papelzinho fica lá, até que eu revise o bolso, antes de lavar a calça. E o papel, então, vai para o lixo.

Aposto que você também é assim. Aposto que você abre a porta para as pessoas. Que você evita fazer barulho em horários impróprios. Que você dá a preferencial enquanto anda, corre ou dirige. Você deve ser uma das pessoas que cede o lugar no ônibus. Aquela pessoa que presta a atenção nas propagandas eleitorais, esmiúça o passado dos candidatos que te chamam a atenção e vota com a razão.

É, nós entendemos que não estamos sozinhos no mundo. Que temos responsabilidade de cuidar de cada centímetro da Terra. Você e eu, pessoas que querem que o mundo seja melhor. Gente que “sabe enxergar um pouquinho na frente”. Damos valor à educação, aos bons modos, às regras, às placas e até ao que é mera convenção da lógica.

Eu sei que você segura o elevador para os seus vizinhos, assim como eu faço.

Porém, muitas vezes, gente como nós simplesmente esquece que existe gente "do outro lado". Pessoas que não prestam a atenção nas mesmas coisas que nós. E sabe que eles nem fazem isso por mal? Quase todas as pessoas “do lado de lá” só têm cultura diferente da nossa. Eles dão mais valor para coisas que nós nem notamos, assim como nós damos valor para coisas que eles sequer notam!

É, algumas pessoas acham que escola, educação e bons modos são “perda de tempo”. Vai entender...

Para estas pessoas, não adianta muito adotarmos a visão da Liberdade. Certas pessoas simplesmente devem ser pegas no colo e levadas pela mão até o final de suas vidas, sob pena de se tornarem enormes estorvos para a sociedade.

E, convenhamos, o Brasil tem sido (e ainda é) excelente em gerar esse tipo de pessoa. Escolas de péssima qualidade, com professores desvalorizados, currículos “ante-pré-históricos” e materiais didáticos risíveis, somadas à mais de sessenta anos de cultura de consumismo insustentável, geraram uma população que venera carros, roupas, eletrônicos e qualquer outro símbolo idiota de consumo. Pior: sem sequer notar como ou porque esses símbolos são gerados.

Esse povo não tem capacidade de criar os próprios símbolos de status. Por isso, “comemos lixo industrial e comercial”, internacionais, há tanto tempo.

Se valorizássemos realmente a educação, dominaríamos as ciências e tecnologias. Nós próprios construiríamos os aparatos tecnológicos, para vendermos para o mundo. E, talvez, olhássemos para os bens industrializados de uma forma mais racional.

Talvez por isso tudo, a maior parte do Brasil olhe para tudo o que vem de fora maravilhado. Como se iPhones, TVs LED ou carros com motores potentes fossem concebidos por mágica. Bem, pelo preço que pagamos aqui por estes itens, creio que muita gente pense que é magia divina que concebe-os, mesmo.

E é essa ignorância sobre como e porquê cada coisa funciona que faz o mundo inteiro ver e tratar o Brasil como se fosse uma eterna criança.

No sábado estreou o filme "TED", no Brasil. Confesso que só irei assistir na próxima sexta.
TED é um filme da pior espécie: piadas toscas, de modo contínuo, com uma enxurrada de referências a diversas culturas e histórias, texto adulto e roupagem de fantasia de uma overdose. A pior espécie que gente com discernimento adora. Resumindo: a receita perfeita para um filme de comédia de alto sucesso.

Porém, é claro, esse tipo de filme precisa que você tenha capacidade de interpretar o que está sendo mostrado. E, devido ao conteúdo, não é recomendado para menores de 16 anos.

No mundo da informação, quem chega à frente de um guichê para comprar o ingresso de um filme já deve ter assistido a pelo menos uns 3 trailers sobre ele. Lido pelo menos um único comentário mais elaborado. Uma prévia que seja... Não bastasse isso, a propaganda dos cinemas é tão forte quanto a de qualquer outra indústria: cartazes, outdoors, comerciais na TV, página no facebook, perfil no twitter, viral nos blogs, vídeos no youtube, divulgação em rádio, revistas, jornais e afins...

Você pode saber de todos os filmes em cartaz com uma ou duas pesquisas no Google, agora...

Mas então, no final de semana, o deputado Protógenes Queirós entrou em um sala de cinema com seu filho de onze anos, para assistir a um filme para maiores de 16 anos. Ok, ele é uma pessoa ocupada e não deve ter notado a classificação. Protógenes diz que levou o filho de 11 anos para assistir ao “filme do ursinho”. E, obviamente para quem tem essa ideia inicial do filme, saiu de lá horrorizado.

O deputado, então, começou uma revolução no twitter contra o filme TED. Em seu relato, o ministro diz que o filme é uma afronta à sociedade, faz apologia às drogas e a vadiagem. Em seu extremismo, quer tirar o filme de cartaz, no país.


É exatamente esse tipo de exemplo que acontece no Brasil, que me faz pensar que, talvez, o Paternalismo não seja uma ideia tão errada. Algumas pessoas, como o excelentíssimo deputado, precisam serem levadas pela mão, durante a sua vida. Pessoas que não cumprem as leis (como levar seu filho de 11 anos para assistir a um filme com classificação de 16 anos), que não têm capacidade de interpretação (o filme é uma piada, não deve ser considerado um exemplo para nada) e, depois, ainda querem impor a censura em nome "do bem maior", não podem ter direito ao livre arbítrio, mesmo. 

Eu adoraria que todas as pessoas conseguissem compreender o mundo à sua volta. Mas isso não é a realidade, infelizmente. Muitas pessoas precisam que algo ou alguém lhes diga o que pensar, falar e fazer, a cada momento de suas vidas.



Piadinha infame:

Reza a lenda que o Protógenes Queirós chegou no guichê para comprar os ingressos com o seu filho.
O Atendente cumprimentou:
- Pois não?
Protógenes respondeu, com a carteira na mão:
- Duas entradas para o filme do Ursinho, por favor!
O atendente viu o deputado pegando uma nota de cinquenta reais e falou:
- Posso te dizer uma coisa?
O Protógenes respondeu:
- Claro!
- Paga com Visa, é melhor! - aconselhou o atendente, atônito pelo pai estar levando uma criança para ver o filme.

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